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Demóstenes Torres

Em 1979, eu era aluno da Universidade Católica de Goiás, hoje PUC/GO, e a única coisa que tinha na cabeça, além dos estudos, era namorar. Mantinha os sonhos (muitos) de mudar a realidade (dura) e faltou a trilha sonora até em dezembro Angela Ro Ro estrear com disco que levou seu nome. Arranjos de Antonio Adolfo, 36 minutos de espetáculo. Imaginei que fosse embalar apenas os meus amores daquela época, acabou atravessando toda a minha vida. Tenho ele em vinil, em CD e nas listas de Spotify. Combo perfeito.
(Parênteses para você se dar um agrado: antes de continuar a leitura, busque no YouTube “Me acalmo danando”, última faixa desse LP de estreia. No vídeo, ela está ao piano e canta junto com sua xará Ângela Maria.)
“Tola foi você”, maior sucesso do álbum, traduzia as paixões perdidas e excomungava qualquer ex: “O mal é vai e vem, só esperar”. Naquele fim de ano, não havia presente de Natal melhor que praguejar aos berros contra quem o rejeitasse. A pessoa perdedora foi quem desprezou tanto amor a receber.
Passava pano:
“Agradeço tanto, agradeço por você
Não ser do jeito que eu sou”.
Depois, passava à dubiedade:
“E se eu mudei devo a você
Todo desamor que a vida me ensinou”.
Seu débito era por ter mudado ou pelo desamor?
“Gota de sangue”, que saiu também na mesma época em lançamento de Maria Bethânia, foi um encontro de Ro Ro com sua Taylor Swift, que era como considerava a irmã de Caetano Veloso. Assim como ficou supernervosa ao se esmerar sete anos antes na gaita em disco do Veloso, Angela tremia as pernas ao piano ao acompanhá-la nas estrofes vigorosas:
“Deixa eu sentir muito além do ciúme
Deixa eu beber seu perfume, embriagar
A razão por que não volto atrás
Quero você mais e mais que um dia”.
A poeta se sobressaía com “Não há cabeça”:
“Não há cabeça que o coração não mande
Nem amor que o ódio não desande
Não há rancor que o perdão não esqueça
Nem humor que nunca se aborreça
Não há bebida que beba a saudade
Nem maldade que vença a maldade
Não há princípio que resista ao fim
Nem temor ou medo que resida em mim”.
Essas frases fortes também foram gravadas por Marina Lima, outra que começava ali longeva carreira. Os frequentadores da Praça Universitária, inclusive eu, preferiam a versão com Ro Ro.
A apaixonada saltava diretamente aos tímpanos com “Amor, meu grande amor”, ideal para se ouvir a dois nos bancos de concreto próximo à universidade:
“Amor, meu grande amor
Só dure o tempo que mereça
E quando me quiser
Que seja de qualquer maneira”.
Sua parceira nessa canção, Ana Terra, contou ao G1: “Ela tinha uma música, que tinha feito a letra em inglês, que se encaixou perfeitamente na minha letra. Foi aí que nasceu a parceria. A gente brincava que era nosso talismã, que deu sorte pra gente”. Fato. Observe que ficou bem melhor em Português, apesar de o tema ser universal:
“Me veja nos seus olhos
Na minha cara lavada
Me venha sem saber
Se sou fogo ou se sou água”.
Ro Ro partiu nesta segunda-feira, 8.set.2025, então, acabaram os spoilers: jamais deixou de ser fogo. Nem sempre existiram os portais de fofoca de artistas, mas desde o primeiro artista existe fofoca de artista. Lembro de manchete de algum órgão especializado em mexericos de celebridades, “O rififi da Ro Ro com a Zizi”, a Possi, com quem namorou. A vida particular interferia bastante na grande escritora. O que lhe estilhaçava a alma a plateia usava como amálgama dos sentimentos.
O artigo ficou longo demais e ainda não comentei o lado 2 do disco, também com a voz só comparável à de Maysa. Mas está terminando agora mais uma execução de “Me acalmo danando”:
“Sua presença destrói todos meus desenganos
Minha ausência causou-lhe uma série de danos
Tento provar o contrário e adormeço errando
Amo somente um vazio e me acalmo danando”.
Vai fazer uma falta danada. Assisti a vários de seus shows e saía com a sensação de o Brasil ter jeito. Não que para resolver problemas ou eliminar seus traumas baste transformá-los em versos, todavia, acende a esperança. Eu aqui na quarta fileira da Ro Ro e ali já é o palco com a Janis Joplin dos trópicos sorrindo ao cantar, apesar de tudo.
Spotify e assemelhados ajudam a recordar os sons no carro, só que não vejo a hora de saborear “Angela Ro Ro” em vinil, pois é como me acalmo, danando.

Demóstenes Torres, 64 anos, é ex-presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal, procurador de Justiça aposentado e advogado. Escreve para o Blog do Alan Ribeiro e Portal do Alan semanalmente.

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