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Demóstenes Torres*

Estive no fim do ano com a família no Ceará. Conheci muitas figuras interessantes e o diálogo com uma delas sintetizou a situação do País nos últimos anos. O rapaz, bem-sucedido empresário, desviou a conversa sobre o calor para tratar de outra temperatura alta, a da política. Quis saber em quem ele havia votado. Pulou lá em cima: minha pergunta era disparatada, pois não havia alternativa além do então presidente Jair Bolsonaro. As feições mudaram. O tom da voz se alterou. Se fosse um filme de terror desses que passam de madrugada na TV aberta, o interlocutor narraria que ele estava possuído, porém chamava de “demônio” o “Nove Dedos”. Sim, Lula.

“Tenho vontade de dar um tiro nele”.

O rosto provava que estava falando sério. Tentei disfarçar esclarecendo que não se pode nem brincar com uma coisa dessas. O moço manteve o lança-chamas:

“Nunca falei tão sério em toda a minha vida”.

Virei bombeiro de vez. Alertei-lhe de que matar alguém tem consequências terríveis não somente para a vítima, e que o presidente da República nunca lhe fizera mal algum. Ele discordou com veemência. Falou cobras, lagartos e lacraias do petista. Estava transtornado:

“Vou meter um tiro na cara dele!”

Precisaria colocar mais de um ponto de exclamação para reproduzir a ênfase. Contou que tem arma e atira bem.

O que leva um empreendedor, tido como pacificador e calmo, a virar uma fera? Com a palavra, a polarização eleitoral. Milhões de famílias passaram o Natal de 2022 longe de determinados integrantes que manifestaram preferência por candidato diverso do que os parentes queriam. Consumidores evitam lojas cujos donos doaram para a campanha desse ou daquele. Assassinaram um guarda municipal que comemorava 50 anos numa festa com temática lulista. Filha deixou de conversar com os pais porque declararam voto em Bolsonaro. Para um lado, o outro é “lixo”, “escória” e o vocabulário escatológico que as mídias sociais suportam. Ministros cercados em aeroportos. Senador expulso de restaurante. Autoridades sem poder andar nem em Nova York. Políticos de modo geral evitando os lugares públicos. Acirrou-se até chegar em promessa de homicídio de alguém que nada de mal fez ao ofensor além de estar do outro lado do espectro ideológico. Mas o que ficou ruim pode se tornar insustentável caso se arvore em prender Bolsonaro.

Já se cometeu muito crime em nome do combate ao cometimento de crime. Levar para a cadeia o ex-presidente tornaria o Brasil uma república de bananas nanicas em lugar do raciocínio. Querem sujigar o líder da vez para mostrar quem manda. Que leis seriam pisoteadas para justificar a chegada de Bolsonaro ao cárcere? Quantas delas foram violadas para explicar os 580 dias de Lula em Curitiba? Compensa vilipendiar a memória dos mortos por Hitler ao lembrar de nazismo e holocausto quando se fala em atitudes comezinhas de Lula e Bolsonaro?

A sorte é que o tribunal da Lava Jato foi implodido pelas garantias constitucionais e seus próceres atirados na vala comum do Congresso Nacional. Outra agradável coincidência é que o preso virou presidente e já sabe o que fazer para um preso virar presidente. Não deve ser o que Lula quer para Bolsonaro. Uma bandeira da malfadada operação paranaense era criminalizar a política, mas um político (Lula) vai evitar um crime (prender Bolsonaro). Se alguém estiver querendo fazer graça para o atual com a ignomínia de enjaular o ex, piscou para uma máscara sem rosto. Bolsonaro sairia do cárcere direto para a Presidência da República, assim como seu inimigo.

O Brasil precisa de paz não apenas nos posts com os quais nos desejam bom dia todas as manhãs. Tranquilidade. Assovio. MPB, rock, sertanejo, clássico. De futebol a e-sports. Famílias se confraternizando. Discussões de política educadas e produtivas. Tudo isso para substituir o novo hábito, o de se afastar de quem se ama. A gente demora tanto a fazer um amigo, é difícil produzir e segurar uma amizade em cada década de vida, aí vem um ciclo eleitoral e nos toma os poucos que temos? Não, de jeito nenhum. Lulistas e bolsonaristas hão de concordar que pior que urna eletrônica é a urna funerária, e para esta não existe fraude, quem perde um amigo está morrendo aos poucos.

Não há razão jurídica para prisão cautelar de Bolsonaro do mesmo jeito que somam-se milhões de razões para se ter cautela. Prendê-lo vai conflagrar o país. A quebradeira de 8 de janeiro na Praça dos Três Poderes será piquenique de velhinhos se comparada ao que a turba pode aprontar nas 27 unidades da federação. Para eles, prender Bolsonaro é que é o golpe, não a intervenção militar pedida nas portas de quartel. O PT considera golpe o impeachment de Dilma Rousseff, que não foi presa e ainda conservou os direitos políticos. Isso é festinha de 15 anos frente à convulsão social a partir do momento em que Bolsonaro estiver vendo grades pela parte de dentro.

Nada impede que Bolsonaro seja investigado e, caso haja evidências, processado e, eventualmente, condenado ou absolvido. Então, se for o caso, cumprir pena. Mas nada fez que enseje prisão cautelar, que seria injusta, ilegal, analfabeta processualmente e histórica para o Janeiro da Vergonha. Prendê-lo para satisfazer a imprensa é como matar o beija-flor por inveja de seu ofício. Prendê-lo em nome das ruas é ser o bueiro que até o esgoto rejeita. Prendê-lo ao arrepio das normas é um desrespeito não somente à cidadania, mas ao restinho que o Brasil ainda tem de legalidade.

Demóstenes Torres é advogado e colaborador do Portal do Alan

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