
Eu cansei de uma fé que fala alto, mas ama pouco. Foi São Francisco de Assis quem me puxou de volta para o simples: a bacia, a toalha e a rua. No dia 4 de outubro, muita gente celebrou o dia dele, e eu volto a falar porque Francisco continua me confrontando até hoje.
Ele me confronta como discípulo de Jesus que decidiu seguir o Mestre de forma radical. Sem palco, mas com rua. Sem aplauso, mas com gente. Cresci vendo sua imagem numa capelinha do jardim, mas não conhecia sua crise, suas escolhas, sua entrega. Foi a convivência com pessoas em situação de rua e com irmãos franciscanos que me apresentaram o Francisco de carne e osso. Desde então, carrego no peito um “tau franciscano”.
Demorei para encontrar o Francisco real, mas quando aconteceu, ele mexeu profundamente comigo. Talvez porque o tempo dele se pareça demais com o nosso: deslumbramento, cofres cheios, títulos altos, religião como palco, violência carimbada de “causa”, a cruz distorcida, o outro tratado como inimigo, e o rosto de Jesus fora de foco.
Francisco também foi à guerra. Diante do inimigo, sua consciência foi confrontada pelo Evangelho: “Como vou tirar a vida de alguém que Jesus mandou eu amar?”. A partir daí, devolveu privilégios, recusou sobrenome e escolheu a simplicidade por obediência. Foi capaz de atravessar a rua na direção de quem todos evitavam: o leproso.
Talvez ele mexa comigo porque minha luta é parecida. Enquanto o poder seduz, Francisco escolheu o silêncio. Enquanto a festa chamava, ele priorizou o serviço. Ele me lembra que Jesus não trouxe coroa nem espada, mas bacia e toalha. Isso muda tudo. A missão não é vencer debates ou travar guerras culturais; é repartir o pão, restaurar o rosto do outro e recuperar, na fé, o rosto de Cristo.
Francisco também chamou a criação de irmã: o sol, a água, o vento, a terra. Isso não é poesia ingênua da Idade Média, é fé encarnada. Quem chama a criação de irmã não trata o planeta como depósito, mas como casa comum a ser cuidada, reparada, recomeçada.
E o que podemos aprender com isso hoje?
Desarmar o coração: respirar antes da espada do comentário, trocar o impulso de vencer pela coragem de ouvir, falar a verdade com amor.
Atravessar a rua: enxergar quem é invisível, chamar alguém pelo nome, porque a dignidade começa quando alguém é reconhecido.
Simplicidade que liberta: rever consumo e privilégios, escolher mais cuidado e presença, menos pressa e acúmulo.
E termino assim, em oração:
Senhor, começa em mim.
Onde busco influência, dá-me amor pelos invisíveis.
Onde quero ter razão, ensina-me a lavar os pés.
Onde levanto muros, dá-me coragem de atravessar a rua.
Faz de mim instrumento da Tua paz — na internet, na política, na minha casa, na minha cidade.
Francisco não esperou o mundo mudar. Ele começou.
E o mundo ao redor dele nunca mais foi o mesmo.