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Demóstenes Torres

Pierre-Joseph Proudhon era um sujeito doidão. Nasceu numa lindíssima cidade francesa próximo à Suíça, Besançon, Capital da Arte, da História e da Relojoaria, não necessariamente nessa ordem. Estava nem aí para capital, arte, história, relojoaria ou ordem. Morreu há 160 anos e foi tarde: já havia influenciado de Karl Marx a parte da direita brasileira de 2025. Pioneiro em se assumir anarquista, caso vivesse hoje abriria uma barraca de lona em frente ao Supremo Tribunal Federal pedindo guilhotina a quem se sentisse com a corda no pescoço.
Comparado a Proudhon, o russo Mikhail Bakunin, outro anarquista graças a adeus, não passaria de nome de vodka. Duas vezes condenado à morte, beneficiou-se da anistia, recebeu dinheiro público sem tributação, virou andarilho pela Europa e admirador de Giuseppe Garibaldi, que no Brasil foi comandante da Marinha farroupilha e amou a presença de Anita, a catarinense republicana recém-separada de um sapateiro monarquista, famosa pela revolução gaúcha e as lutas na Itália. A quem o trio aí anistiaria? A ninguém além dos próprios, cada qual por si.
Em vez de internacionalizar o movimento decapitador na França, o que se espalhou mesmo foi o significado de anarquia – não algo libertário por abdicar do mando, mas a balbúrdia total. Um horror desses só poderia sair de mentes perturbadas como as dos acima citados, pois nada é tão ruim que não deixe de sê-lo para se tornar pior. Desconfia que seja péssima a anarquia de esquerda, então segure-se que está aterrissando a de direita, pronto!, chegou e você nem sentiu.
O líder da revolução francesa Maximilien de Robespierre, maluco que faltou apenas jogar pedra na Lua tentando derrubar São Jorge de cima do dragão, ganhou o poder destronando rei e tocou o terror. Lúcido, acreditava em Deus; noiado, quis ser Papa. Passou a lâmina na jugular de inimigos até chegar a sua vez, não sem antes rotular de radicais – logo quem! – os anarquistas. Iluminista, ele tinha razão.
Ideias como as de Bakunin e Proudhon talvez vingassem numa ilha. Ocorreu no 8 de Janeiro em Brasília, com a Praça dos 3 Poderes revivendo a Praça da Concórdia, em Paris, ao encenar dois termos ligados à esquerda, revolução e anarquia, atribuídos a militantes da direita. Daí em diante, não faltaram mais cadeia, processo, extremismo. Quando surge alguém tentando ajudar, emerge um Robespierre com a foice multiplicando as mulas sem cabeça. A direita tem de parar de se equivaler à esquerda agressiva sob o castigo de se tornar uma.
No fim de semana, o ministro Luís Roberto Barroso, pouco antes de deixar a Presidência do Supremo Tribunal Federal, rememorou que nos julgamentos de que participou não cumulou golpe de estado e abolição violenta do estado de direito. E foi no rim: “Acho que a pena é alta, mas é a pena prevista em lei”. (Também pode ser reduzida a punição por atentado violento à democracia, funcionando a tentativa de golpe de estado como qualificadora. Um crime desapareceria.) São argumentos que o próprio relator Alexandre de Moraes usa desde o início e que incluí em minha sustentação oral na 1ª Turma.
Os bakunins, todos soltos, preferem não se importar com quem está preso – este, sim, torcendo porque todo dia a se deduzir da condenação é um alívio. Os proudhons preferem nem ouvir, ainda que a solução reduza as penas, com benefício significativo a quem vai cumpri-las. É muito fácil ignorar a engenharia jurídica quando se está em liberdade – livre, inclusive, para falar bobagem sobre o que desconhece.
Dá para defender que os crimes de dano são meros pós-fatos não puníveis, o exaurimento dos crimes contra a democracia. O manifestante quebrar os prédios faz parte do tipo penal. Outra tese é quanto à organização criminosa armada, presente na maioria das sentenças. Para caracterizá-la, é necessário o efetivo emprego de arma de fogo no delito. Assim, escapariam praticamente todos, já que não foram encontrados revólveres, pistolas e muito menos canhões, mísseis, essas geringonças que quem está a fim de derrubar governo usa para convencer (ou abater) o inimigo.
São medidas eficientes e, como se leu aqui, não haveria o risco de o STF declará-las inconstitucionais. Relembrando que jurisprudência e doutrina em peso adotam esses argumentos. Como estranhamente não foram consideradas no julgamento, é melhor deixar isso escrito e sem dubiedades.
Vamos lutar por anistia ampla, geral e irrestrita? Vamos. Nós dois e quem mais? Barroso foi claro: a anistia AGORA não será tolerada pelo Supremo nem antes, nem durante, nem logo após o julgamento. Ou seja, daqui a pouco o clima se transforma, especialmente se a direita voltar ao poder. A geopolítica judiciária é outra que pode mudar: presume-se que 4 ministros são favoráveis, bastam mais 2.
No Congresso Nacional, origem das tipificações malformuladas e dos projetos para aumentar o tempo no xadrez, talvez a anistia nem vá a votação. O presidente da Câmara faz de conta que quer, o do Senado abomina e ninguém com cargo para agradá-lo está disposto a convencê-lo do contrário (aliás, muito pelo contrário). A esquerda, beneficiada em 1979, a excomunga agora que está do outro lado da grade. O centro, que jamais pula em galho seco, prefere aguardar o desfecho sem desocupar uma sala sequer da Esplanada dos Ministérios.
E a direita se divide em tantos ramos que daria uma floresta, atrás daquela moita está um doidivanas estilo Robespierre, apregoando a revolução porque o pescoço em jogo ainda não é o dele; naquele matinho ali, um Proudhon inflexível, pois está solto e quem quiser que se lasque na cela; Bakunin, secando uma garrafa de vodka escorado numa castanheira, acha que tanto faz ficar 5, 10, 15 anos na penitenciária, é tudo a mesma coisa. De que adianta uma pena cair de 20 anos sabendo que você foi injustiçado e aguenta ficar mais 15 ou 10 anos no cárcere em protesto contra esse sistema falido? Você ficar, não eu, pois tenho de adquirir um carrão para chegar mais rápido à revolução dos bichos-grilos.

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