
Tornozeleira e prisão domiciliar para Bolsonaro não renderam o que PT planejava, além de Congresso e Supremo reagirem contra
Nilson Gomes-Carneiro
A maior crítica dos moderados à atuação do Supremo Tribunal Federal nos casos envolvendo Jair Bolsonaro (PL) e seus seguidores é quanto aos princípios do Direito. Um deles é o duplo grau de jurisdição, pois alguém condenado em determinada instância deve ter a oportunidade de recorrer à de cima. Só que o STF, como o próprio nome diz, é a última e os adversários do presidente Luiz Inácio Lula da Silva respondem aos processos inicialmente onde eles deveriam terminar. Mesmo assim, os atos do ministro Alexandre de Moraes, que comanda a apuração sobre o ex-presidente, são confirmados pelo Pleno, a reunião dos 11 componentes da Corte. Segue-se o ditado segundo o qual “decisão judicial não se discute, se cumpre”. Não é o que está ocorrendo após Moraes decretar a prisão domiciliar de Bolsonaro, nesta segunda-feira, 4/8.
Espera-se a tradicional gritaria quando a esquerda é atingida e protestos formais se a vítima for de direita. Mas o bolsonarismo está se revelando ruidoso. No domingo, 3/8, sacudiu praças e ruas de vários lugares do Brasil pedindo, entre outras improbabilidades, o impeachment de Moraes, e, das possíveis, anistia aos envolvidos nas manifestações de 8 de janeiro de 2023.
No dia seguinte, segunda-feira, o ministro mandou fazer buscas e apreensões na casa do ex-presidente e determinou que ficasse preso ali mesmo. Na terça-feira e quarta-feira, 5 e 6/8, as Mesas Diretoras e auditórios do Congresso Nacional foram ocupados por parlamentares de PL, Novo e até de União Brasil e PP, dois partidos com ministros na equipe de Lula (PT). Governadores, como Ronaldo Caiado (União/GO) e Tarcísio de Freitas (Republicanos/SP), que costumeiramente mantinham no colete eventuais críticas ao STF e menos ainda ao ministro Moraes, gravaram vídeos contra a prisão domiciliar de Bolsonaro. Traduzindo do juridiquês, os chefes de Executivo estaduais perderam o medo. Com isso, quem ficou amedrontado foi o PT, inimigo de ambos.
SAÚDE É O QUE INTERESSA, O RESTO NÃO TEM NEM COMPRESSA
O desassossego foi tamanho que os presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos/PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União/AP), tiveram de cancelar compromissos nas bases para socorrer o companheiro Lula. Retonaram às pressas a Brasília nos imensos jatos disponíveis. O PT não contava com esse rebuliço todo, tanto que Lula acusou o golpe e voltou a dizer que só será candidato à reeleição se estiver com a “saúde 100%”.
Antes, vendia vitalidade, no estilo de publi dos influencers patrocinados por fábricas de whey protein.
Agora, deseja as curvas dos halterofilistas, a resistência dos maratonistas, a explosão dos levantadores de vôlei e talvez nem assim alcance o percentual expressado.
A ausência de passeatas petistas na defesa de seu líder pode estar motivada nas pesquisas de opinião pública. Bolsonaro está com tornozeleira na canela, a residência transformada em cadeia, o filho deputado em outro país para evitar também ficar preso e não adianta: a rejeição a Lula não cai, a aceitação não sobe, o 4º mandato retornou ao estágio de pesadelo.
FRONT DIVIDIDO E MINISTRO DESISTINDO
Do outro lado da praça em que Lula dá expediente está uma inexpugnável cidadela, onde o atual presidente da República é tão blindado que, para viabilizar sua 3ª gestão, os ministros prejudicaram milhões de velhinhos ao acabarem com a revisão da vida toda (o INSS deveria pagar-lhes o que descontou indevidamente de seus contracheques durante a… vida toda) e com o saque do Pasep (o Banco do Brasil deveria restituir o que sumiu das contas de servidores de 1970 a 1990). O único idoso que não perdeu dinheiro foi o próprio Lula – nem se toca aqui na roubalheira dos descontos das entidades.
A sensação, baseada em fatos, é de isolamento de Moraes, pois a maioria do exército jurídico se cansou de não dar folga às manchetes. Os supremos sinalizam que almejam paz, sim; politicagem não. Dos 11, cinco atenderam ao chamado de Lula para irem ao Palácio do Planalto, atravessaram a praça e foram se solidarizar com Moraes; cinco não compareceram e um, Edson Fachin, não queria ir de jeito nenhum, só o convenceram ao lembrá-lo de que será o próximo presidente do STF (posse no dia 29/9) e que o solidarizado será seu vice. A fadiga de material causa tanta ojeriza que o atual presidente, Luís Roberto Barroso, pode se aposentar nos primeiros dias de outubro próximo, oito anos antes da idade máxima obrigatória, 75 anos. Ninguém abre mão de uma vaga no Supremo apenas porque o clima de Brasília é seco demais.
ANÃO DA ECONOMIA ESMURRA GIGANTE COM PELICA
Lula diz que não quer conversar com Donald Trump, como se ele, o petista, fosse o presidente dos Estados Unidos. Considera “humilhação” ligar para o homem mais poderoso do planeta – logo ele, que de direito é o presidente de uma República cujo homem mais poderoso é de outro poder, e de fato está em 13º na hierarquia de importância, atrás dos 11 do Supremo e dos presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados. É como se o anão do Pânico tentasse nocautear o boxeador Acelino Popó com luvas de pelica.
Trump ainda tem tempo para retomar a dianteira nas pesquisas. Lula, que já tem campanha oficial daqui a um ano caso não desista, encruou. Como se escreve no noticiário político, bateu no teto. E dispõe de poucos meses para se reafirmar. O presidente do Brasil optou por fazer uma gestão de pobres contra ricos, negros contra brancos, nordestinos contra sulistas, e vice-versa em todos os casos. Descreve-se como socialista/comunista e garante que quer ser visto cada vez mais como tal. Nem Trump e Jair Bolsonaro, autores de gafes memoráveis, conseguem expelir tanta asnice.
O problema é que Lula é o presidente da República. É preciso reler isso para se acostumar à ideia de que alguém, em nome do Brasil, está desafiando os Estados Unidos. Não se trata de Trump colocar um submarino nuclear na costa do Rio de Janeiro – as Forças Armadas brasileiras estão de tal forma sucateadas que nem precisamos de uma ameaça desse vulto para nos rendermos antes do primeiro disparo. Trata-se de uma reversão completa das relações exteriores. A amizade bicentenária, que resistiu à maluquice de Getúlio Vargas se aproximar de Adolf Hitler e Benito Mussolini na 2ª Guerra Mundial, está trincada graças ao embate verbal entre duas figuras menores da história. A população conhece o fim desse filme: o comércio exterior morre no final.
(Publicado originalmente no jornal O Hoje)