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O que as pessoas normalmente chamam de doutrina da regeneração é um dos ensinamentos mais mal compreendidos de toda a teologia bíblica.
Frequentemente tratada como sinônimo de “nascer de novo”, a regeneração foi reduzida a uma linguagem simbólica ou teológica sobre nascer uma segunda vez ou repetir um começo. No entanto, quando examinamos cuidadosamente o ensino das Escrituras — especialmente à luz das línguas grega koinê e clássica — descobrimos que a regeneração bíblica é, acima de tudo, um retorno à origem: uma restauração do ser humano ao propósito original de Deus — ser à imagem e semelhança do Criador, participante da natureza de Deus.
A Origem e Evolução do Termo “Nascer de Novo”
A expressão “nascer de novo” é amplamente usada na teologia cristã, mas sua origem remonta a uma questão de tradução em João 3:3, onde Jesus diz a Nicodemos:
“Se alguém não nascer do alto (grego: anōthen), não pode ver o Reino de Deus.”
A palavra grega anōthen significa “do alto”, e não “de novo”. No entanto, como Nicodemos interpretou literalmente as palavras de Jesus — pensando que Ele se referia a um segundo nascimento físico —, alguns intérpretes passaram a adotar esse equívoco em vez de compreender o verdadeiro ensino do Mestre.
Essa confusão se aprofundou no século IV, quando a Vulgata Latina de Jerônimo traduziu anōthen como denuo, que significa “novamente”. A partir de então, a frase “nascer de novo” entrou na tradição teológica, especialmente na Igreja Ocidental de língua latina.
Os primeiros Pais da Igreja, como Agostinho e Tertuliano, adotaram essa linguagem e associaram o “nascer de novo” à regeneração batismal, muitas vezes aplicada a crianças.
Durante a Reforma Protestante, reformadores como Martinho Lutero e João Calvino redefiniram o conceito, enfatizando que a regeneração vem pela fé e pela Palavra de Deus, e não apenas pelo sacramento. As primeiras Bíblias em inglês, incluindo a versão King James (1611), adotaram a frase “born again” (“nascido de novo”), reforçando ainda mais esse termo na teologia protestante.
Nos séculos XVIII e XIX, o termo tornou-se central na pregação avivalista evangélica, especialmente por meio de líderes como George Whitefield, John Wesley e, mais tarde, no século XX, Billy Graham. Passou a representar uma experiência pessoal de conversão e transformação interior, muitas vezes vista como um momento decisivo de salvação.
Assim, embora “nascer de novo” seja hoje uma expressão comum e poderosa na linguagem cristã — especialmente entre evangélicos —, ela originalmente surgiu de uma tradução de uma palavra grega que significa “do alto”. Uma compreensão adequada da regeneração precisa retornar a esse significado bíblico: não uma segunda experiência física ou emocional, mas um nascimento sobrenatural de Deus, restaurando-nos ao Seu propósito original em Cristo.
“…pela lavagem da regeneração e renovação do Espírito Santo.”
— Tito 3:5
Essa Escritura fala tanto da regeneração quanto da renovação pelo Espírito.
João 3:3 — Jesus Disse “Nascer de Novo” ou “Nascer do Alto”?
Como mencionei, a base desse equívoco doutrinário comum está em João 3:3, onde Jesus conversa com Nicodemos:
“Em verdade, em verdade te digo que se alguém não nascer do alto (gennēthē anōthen), não pode ver o Reino de Deus.”
A palavra-chave aqui é anōthen, que significa “do alto”, “do céu”, e não palin — “novamente” no sentido de repetição temporal.
Aqueles que interpretam como “nascer de novo” estão, na verdade, seguindo o mal-entendido de Nicodemos, e não o ensino de Jesus:
“Como pode um homem nascer sendo velho? Pode, porventura, entrar uma segunda vez no ventre de sua mãe e nascer?”
— João 3:4
Jesus não estava falando, obviamente, de repetir um nascimento físico. Tampouco estava dizendo que Nicodemos precisava nascer de novo, mas sim que ele precisava nascer do alto — nascer de Deus pela obra do Espírito.
Palingenesia — O Verdadeiro Significado de Regeneração
A palavra grega usada no Novo Testamento para regeneração é palingenesia, e aparece apenas duas vezes:
1. Tito 3:5 — Referindo-se à transformação do indivíduo:
“…pela lavagem da regeneração (palingenesia) e renovação do Espírito Santo.”
2. Mateus 19:28 — Referindo-se à restauração futura da criação:
“Na regeneração, quando o Filho do Homem se assentar no trono da Sua glória…”
Etimologicamente:
- palin = novamente
- gênesis = origem, nascimento
Mas seu significado, tanto no grego clássico quanto no koinê, é de restauração à condição original.
O termo palingenesia (grego: παλιγγενεσία, de palin = novamente, e gênesis = nascimento/origem) era de fato usado em contextos filosóficos e literários gregos antes e durante o início do Império Romano.
Filósofos Estóicos:
- Usavam palingenesia para se referir à renovação cíclica ou renascimento do cosmos.
- Acreditavam que o universo passava por destruição periódica (ekpyrosis, pelo fogo) e renascimento, retornando ao estado original — uma restauração cósmica.
- Essa ideia ligava palingenesia à recorrência da ordem e ao retorno eterno.
Filósofos Pitagóricos:
- Embora de forma menos direta, o pensamento pitagórico incluía reencarnação e renovação espiritual.
- Em seu sistema, palingenesia podia se referir ao renascimento ou transmigração da alma, visando à purificação e ao retorno à origem divina.
Plutarco:
- Plutarco (c. 46–119 d.C.), filósofo platonista médio e moralista, usava palingenesia em contextos morais e metafísicos.
- Em sua obra De Iside et Osiride, por exemplo, ele usa o termo em referência à renovação espiritual ou regeneração da alma.
Em resumo, no uso filosófico e literário grego e romano, palingenesia frequentemente se referia a:
1. Renovação cósmica (estoicismo),
2. Renascimento espiritual ou transmigração da alma (pitagorismo),
3. Regeneração moral e metafísica (Plutarco e outros pensadores platônicos).
Esse pano de fundo nos ajuda a entender por que o termo tinha um significado tão rico quando usado no Novo Testamento (Mateus 19:28 e Tito 3:5). No entanto, Jesus e o apóstolo Paulo não usaram o termo com essas conotações religiosas ou filosóficas.
Em outras palavras, a regeneração não é um segundo nascimento temporal, mas um retorno à origem — ao estado originalmente criado por Deus antes da queda.
No contexto da restauração futura, aponta para o restabelecimento da ordem original. Associada à renovação, refere-se à restauração contínua de todas as coisas.
“E envie Ele a Jesus Cristo, que já dantes vos foi pregado,
o qual convém que o céu contenha até aos tempos da restauração de tudo,
dos quais Deus falou pela boca de todos os seus santos profetas, desde o princípio do mundo.”
— Atos 3:20–21
Regeneração nas Escrituras: Restauração da Criação em Cristo
A regeneração não é um conceito simbólico, mas uma obra sobrenatural de Deus.
De acordo com Tito 3:5, trata-se de uma lavagem espiritual e renovação pelo Espírito Santo, e não de uma melhoria moral ou de um ritual externo.
Essa restauração produz uma transformação completa:
- O homem que estava morto em seus pecados (Efésios 2:1) é vivificado por Deus.
- Ele recebe um novo coração e um novo espírito (Ezequiel 36:26).
- Ele é reconciliado com Deus e recebe uma origem que vem de Deus.
- Ele agora pertence ao Reino que Deus preparou desde a fundação do mundo: a nova criação.
“Então dirá o Rei aos que estiverem à sua direita: Vinde, benditos de meu Pai,
possuí por herança o Reino que vos está preparado desde a fundação do mundo.”
— Mateus 25:34
A Bíblia declara:
“Pois somos feitura dele, criados em Cristo Jesus para as boas obras,
as quais Deus preparou de antemão para que andássemos nelas.”
— Efésios 2:10
Somos criados, não recriados. Nossa identidade em Cristo não é o resultado de uma versão reparada ou melhorada do que foi perdido, mas a manifestação de um começo completamente novo, segundo o desígnio eterno de Deus.
Não nascemos duas vezes em etapas de correção — nascemos do alto uma só vez, por um ato soberano de Deus através do Espírito, para uma nova criação que se origina no céu, não do esforço humano nem da repetição do velho.
Esse nascimento é definitivo, completo e suficiente — estabelecendo-nos como verdadeiros filhos e filhas, formados de acordo com Seu propósito original.
Não Apenas Mudança: Uma Nova Criação
“Assim que, se alguém está em Cristo, nova criatura (kainē ktisis) é;
as coisas velhas já passaram; eis que tudo se fez novo.”
— 2 Coríntios 5:17
A expressão grega kainē ktisis significa literalmente nova criação, e não meramente “nova criatura”.
Essa linguagem conecta-se diretamente com Gênesis e Apocalipse 21:5 —
“Eis que faço novas todas as coisas.”
Não se trata de alguém que foi apenas moralmente melhorado, mas de alguém que foi incorporado à ordem divina da nova criação em Cristo — o início da restauração de todas as coisas.
A pessoa regenerada não é simplesmente transformada; ela é reinserida no propósito eterno de Deus, como um filho nascido do alto, conformado à imagem de Cristo.
Reduzir a regeneração a um segundo nascimento ou a uma mudança moral é negar o seu verdadeiro poder.
A Regeneração Segundo as Escrituras:
- É obra de Deus, não do homem.
“Ele nos salvou, não por obras de justiça praticadas por nós,
mas segundo Sua misericórdia, pelo lavar regenerador e renovador do Espírito Santo.”
— Tito 3:5
- É um nascimento sobrenatural realizado pelo Espírito.
“O que é nascido da carne é carne, e o que é nascido do Espírito é espírito.”
— João 3:6
- É nascer do alto, e não por vontade humana.
“Os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne,
nem da vontade do homem, mas de Deus.”
— João 1:13
- É ser feito nova criação em Cristo.
“Assim que, se alguém está em Cristo, nova criação é;
as coisas velhas já passaram; eis que tudo se fez novo.”
— 2 Coríntios 5:17
“Todo aquele que é nascido de Deus não vive em pecado, pois a semente de Deus permanece nele;
e ele não pode continuar pecando, porque é nascido de Deus.”
— 1 João 3:9
“Amados, amemo-nos uns aos outros, pois o amor procede de Deus;
e todo aquele que ama é nascido de Deus e conhece a Deus.”
— 1 João 4:7
“Todo aquele que crê que Jesus é o Cristo é nascido de Deus;
e todo aquele que ama aquele que o gerou também ama o que dele é nascido.”
— 1 João 5:1
“Porque todo o que é nascido de Deus vence o mundo;
e esta é a vitória que vence o mundo: a nossa fé.”
— 1 João 5:4
Portanto, com base na Bíblia seguindo a exegese bíblica e na língua grega original:
Jesus ensinou sobre nascer do alto, e não sobre repetir o nascimento físico nem sobre “nascer de novo”.
Palingenesia significa restauração à origem — e não apenas um novo começo.
A nova criação é a realidade daqueles que foram regenerados — restaurados à comunhão com Deus e ao Seu propósito eterno em Cristo.
A pessoa regenerada é aquela que foi reconectada à Fonte, reconduzida ao ato criador de Deus, e integrada à nova criação que Deus estabeleceu em Cristo.
“Porque os que dantes conheceu também os predestinou para serem conformes à imagem de Seu Filho…”
— Romanos 8:29