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O observador gaúcho* Apparício de Brinkerhoff Torelly, que aniversaria hoje, foi preso em dezembro. Começam a vazar detalhes do inquérito. A autoridade que o deteve lhe disse:
“O senhor está convidado a depor”.
Ele respondeu:
“Depor o governo? Me admira muito que o senhor tenha a coragem de fazer um convite desses”.
Conhecido como Apporelly e famoso como Barão de Itararé, escapou de ser condenado não por recusar participação em pretensa queda do regime, mas por ter surgido no janeiro certo, o de 1895. Foi um magnífico frasista que, mesmo tendo morrido em 1971, continua atualíssimo, suas máximas e mínimas (título de seu livro de maior sucesso) compõem a sabedoria popular brasileira, além de ter deixado súditos, como os geniais fundadores de “O Pasquim” se assumiam.

Vi exemplos desse legado em viagem a Porto Seguro no último fim de semana.
“A pobreza diminuiu porque Lula tá transformando pobres em miseráveis”, me surpreendeu uma vendedora de chapéu – afinal, espalhar protetor não impede que um sol para cada grão de areia queime o couro que já foi cabeludo. Nada havia lhe dito, contra ou a favor, quando ouvi o restante do comentário:
“E tá ruim pra todo mundo. Se o rico não ganha dinheiro, nós também não ganhamos”.

Apparício sintetizaria:
“Pobre, quando mete a mão no bolso, só tira os cinco dedos”, pois “o mal do governo não é a falta de persistência, mas a persistência na falta.”

E identificaria a origem do mal:
“Este mês, em dia que não conseguimos confirmar, no ano 453 a.C., verificou-se terrível encontro entre os aguerridos exércitos da Beócia e de Creta. Segundo relatam as crônicas, venceram os cretinos, que até agora se encontram no governo.”

Vivia-se o mandato inicial de seu conterrâneo Getúlio Dor Neles Vargas, que há 90 anos sequestrou e prendeu o crítico, impiedosamente torturado por meia dúzia de jagunços da Marinha.

Nada a ver com os políticos de agora, todavia escreveu há exatamente 70 anos:
“Queres conhecer o Inácio, coloca-o no palácio”.
Uma taxista do lugar que 1º recebeu Cabral se eximiu da culpa:
“Quem o colocou no palácio não fomos nós”, referindo-se aos nordestinos.

Resumia a chiadeira geral, de lojistas a ambulantes, que consideram pequenos os negócios nesta temporada que deveria ser alta para o turismo. Havia mais integrantes (1.500 homens) na frota de Pedro Álvares (1500 também) que nas praias urbanas deste janeiro.

Culpa de quem? O Barão conclui:
“O Brasil é feito por nós. Está na hora de desatar esses nós.”

Dinheiro não é problema. A Receita informa que em 2024 o governo federal arrecadou R$ 2,65 trilhões, maior valor da história – 1 trilhão a mais que o melhor ano de Jair Bolsonaro.

Trilhão não comove a turma do tostão e a motorista agora está correta.

Saiu neste 27 de janeiro de 2025 pesquisa Genial/Quaest mostrando que o chapéu do presidente, ao contrário do meu, não impede a queima de gordura, do Rio Grande do Norte ao do Sul: pela 1ª vez em suas gestões a aprovação nacional (47%) foi superada pela rejeição (49%).

O calor nordestino esfriou 15 pontos percentuais de um mês para outro, os que gostam de 69% para 59% e os que rejeitam de 37% para 32%. Ou seja, derreteu 20% numa parte do país em que um único Estado, a Bahia, tirou a diferença que Bolsonaro fez em São Paulo: Lula ganhou em 415 das 417 cidades baianas, 72,12% do total.

Porém, a terra vermelha seguiu o Barão:
“Não é triste mudar de ideias, triste é não ter ideias para mudar.”

Então, pelo levantamento, muita gente está mudando de ideia.

Lula perdeu para Bolsonaro em 4 das 5 regiões, triunfou exatamente no Nordeste da taxista e da vendedora, 69,34% a 30,66%.

O Barão não discutiria o resultado, a urna eletrônica ou voto impresso, porque apenas um detalhe importa:
“O voto deve ser rigorosamente secreto. Só assim, afinal, o eleitor não terá vergonha de votar no seu candidato.”

Prezava por tudo tão às claras que ficou sabendo da queda de João Goulart antes de os militares darem o golpe de 1964:
“Além dos aviões de carreira, há qualquer coisa no ar”.

Era o mandato de Jango voando para o Uruguai, terra da mãe de Apporelly.

Ao contrário do regime que começava, suas criações não somente resistiram ao tempo como se integraram ao repertório das conversas e à rotina desta nação, tanto que a gente as repete sem mencionar o autor:
“A estrela de Belém foi o primeiro anúncio luminoso”
“A vida é uma coisa que quanto mais se estica, mais curta fica”
“Em boca fechada não entra mosca”
“Em briga de marido e mulher não se mete a colher”
“O mistério de hoje pode ser o ministério de amanhã”
“Dali, de onde menos se espera, é que não sai nada mesmo”
“O mundo é redondo, mas está ficando muito chato”
“O que se leva da vida é a vida que se leva”
“O fígado faz mal à bebida”
“O feio em eleição é se perder”
“Só o que bota pobre pra frente é empurrão”
“Saio da vida pública para entrar na privada”, bradou em seu discurso de despedida da Câmara do Rio de Janeiro após ter o mandato de vereador cassado porque seu partido, o Comunista, ficara proscrito.

Desceu da tribuna direto para o sanitário.

*Apparício nasceu na divisa do Brasil com o Uruguai, num ermo que a família supõe ser no município de Rio Grande, indo para a fazenda de seu avô em Vergara, no país vizinho. A carroça em que estavam quebrou a roda em um buraco e, com o solavanco, o menino surgiu. Ou, em sua verve, veio para fora observar o movimento, com o qual ele colabora há três séculos – o 19 em que veio ao mundo, o 20 em que brilhou e este 21 que confirma tudo o que escreveu.

Demóstenes Torres* é procurador de Justiça aposentado e advogado. Escreve para o O Blog do Alan Ribeiro e Portal do Alan semanalmente.

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