Secretário de Estado da Indústria, Comércio e Serviços afirma que todos os gargalos para o crescimento do estado estão superados.
Joel Sant’Anna Braga Filho compõe o governo de Ronaldo Caiado (UB) desde 2021, quando se tornou secretário de Estado da Indústria, Comércio e Serviços (Sic). Mas os políticos, que passaram ao mesmo tempo por DEM e PFL, caminham juntos há pelo menos 15 anos.
O especialista em Políticas Públicas pela Fundação Tancredo Neves está na vida pública desde 2005, quando foi simultaneamente secretário de Desenvolvimento Econômico de Goiânia e secretário de Fiscalização Urbana. Em seu período na Secretaria de Estado de Indústria, Comércio e Serviços (Sic), ficou conhecido como um técnico eficiente, que atuou longe dos holofotes trazendo empresas multinacionais para Goiás.
Nesta entrevista ao Jornal Opção, Joel Sant’anna Braga Filho fala sobre os investimentos multinacionais atraídos para Goiás em seus anos à frente da Sic. O secretário comenta ainda os bastidores da atração do capital: ao todo, foram R$ 5 bilhões em investimentos no setor de energia, mais R$ 5 bilhões na mineração e outros R$ 5 bilhões em fármacos.
Italo Wolff – Goiás já se recuperou completamente da crise?
Joel Sant’Anna Braga Filho – No último ano, os dados mostram aumento de 7,7% no agronegócio, de 7,5% na indústria e de 6,2% nos serviços. Esse cenário puxou o crescimento também dos empregos, com a criação de mais de 87 mil novas vagas formais de trabalho. Até maio, as exportações somaram, em dólares, $ 3,4 bilhões – valor equivalente a todo o ano de 2019. O PIB do Estado cresceu 6,6% enquanto a média nacional foi de 2,9%. Estamos em crescimento chinês.
Euler de França Belém — Economistas dizem que o Governo do Estado deveria se preocupar com o investimento em tecnologia, e não apenas na exportação de commodities como a soja. Como está a implantação de indústrias que agregam valor com tecnologia em Goiás?
Além dos investimentos em tecnologia, toda empresa que hoje presta serviço tem tecnologia embarcada em seus produtos e processos. Goiás tem hoje um Laboratório de Inteligência Artificial na Universidade Federal de Goiás (UFG) que é referência mundial e que o Estado pretende aproveitar ainda melhor. A ferramenta da inteligência artificial é importantíssima no desenvolvimento de novos medicamentos, e temos em Anápolis um pólo Farmoquímico.
Instalamos o Hub Goiás, que é um centro de excelência em inovação que será administrado pelo maior parque tecnológico da América Latina, a Porto Digital. O Termo de Colaboração, no valor de R$ 24,3 milhões, prevê o fomento ao ecossistema goiano de inovação, além de trabalhar na geração de inteligência de negócios, no desenvolvimento de talentos e empreendimentos inovadores, e programas de inovação aberta, favorecendo a formação de redes. A previsão de investimentos só no Programa Inovar Mais é de R$ 4,5 milhões.
Na próxima segunda-feira, dia 31, o Hub inicia as atividades. O principal fator que atraiu as empresas para disputarem a licitação desse espaço foi o agronegócio. O projeto é amparar as empresas com a base tecnológica que esse setor necessita. Sílvio Meira (engenheiro de software pernambucano, presidente da Porto Digital) sabe que as empresas do agro trabalham com satélites avançados, com a rastreabilidade de seus produtos. Então existe no agro uma demanda por esse tipo de serviço.
Hoje, se exige que as grandes empresas do setor têxtil sejam capazes de comprovar que seu tecido não foi fabricado com mão de obra escrava. Isso é feito com a tecnologia do rastreamento. Caso uma empresa não tenha esse tipo de monitoramento, ela não pode entrar em algumas magazines no mundo.
Na pecuária, a exigência por tecnologia é a mesma. É preciso rastrear o gado com chips que comprovem que os animais não foram criados em áreas de desmatamento, ou não se entra no mercado europeu. Hoje, o Brasil faz isso contratando diversas empresas. Não existe uma base tecnológica no estado que agrupe essa competência, que é o que vamos buscar construir.
Euler de França Belém – Como está a questão dos carros elétricos?
Desde o ano passado, a fábrica da CAOA já está produzindo carros elétricos em Goiás. A mesma montadora no Distrito Agroindustrial de Anápolis (DAIA), produz também carros da Hyundai e Chery. É uma montadora moderna, que faz veículos híbridos, com motor elétrico e a combustão, como o Tiggo 8, um dos líderes de mercado.
Por não ter ainda a estrutura para abastecer grande quantidade de carros elétricos 100% elétricos, o consumidor brasileiro não tem ainda a confiança de comprar os carros com grandes baterias, e opta pelos modelos híbridos. O comportamento que vemos no mercado é que o consumidor compra o híbrido e, se ele tiver um segundo carro, geralmente é um completamente elétrico. Essa tendência também existiu em outros países durante essa fase de transição, até que se crie a infraestrutura necessária para abastecimento.
Italo Wolff – A popularização desses carros passa também pelo barateamento das baterias. Como está essa indústria em Goiás?
Os chineses são os maiores produtores de baterias do mundo. A empresa chinesa BYD está prospectando o Brasil em busca de terras raras, conjunto de elementos químicos e minérios que são matéria prima para a produção das baterias. Essa companhia está abrindo uma fábrica na Bahia após ter comprado uma fábrica da Ford e vai fabricar carros elétricos.
A BYD tem contratos com mineradoras que vão extrair e elaborar essas terras raras para a fabricação de baterias. Então, mesmo que essa empresa tenha se instalado na Bahia, Goiás pode ser um beneficiado pela atividade de mineração, pois o Estado é rico em terras raras.
Já temos grandes mineradoras em atividade nesta área. A Anglo Gold fez investimentos de R$ 2,5 bilhões em Goiás, a Hochschild de R$ 1 bilhão, a Lundin Minig de R$ 1 bilhão, entre outras. O total investido no estado é de R$ 5 bilhões, um recorde de investimentos entre 2022 e 2023.
Euler de França Belém – Como está a Mitsubishi, instalada em Catalão? É verdade que essa montadora é responsável por 50% da arrecadação da cidade?
É verdade. A Mitsubishi completará no dia 21 de agosto seus 25 anos no estado de Goiás. A MMC Motors abastece o mercado nacional e é uma grande empresa de capital nacional. A novidade é a vinda de uma nova fábrica de carros chineses e elétricos que irão montar seus veículos dentro da estrutura da Mitsubishi em Catalão.
O fechamento de fábricas nos Estados Unidos que atendiam o mercado brasileiro tirou de linha alguns modelos aqui. O reposicionamento da empresa tirou também alguns carros que já estavam desatualizados para o mercado japonês, mas não para o brasileiro. Esses fatores fizeram com que a Souza Ramos (a Mitsubishi brasileira), que tem uma capacidade de produção enorme, ficasse abaixo de seu potencial. Em Catalão, podem ser produzidos até 70 mil veículos por ano, e hoje se fabrica apenas 30 mil.
Por tudo isso, acreditamos que a vinda dessa fábrica chinesa de carros elétricos vai aquecer muito o mercado, e será bom para a cidade. O interesse da indústria automobilística é o desejo de qualquer estado. Goiás tem a CAOA, Chery, Hyundai, Mitsubishi, e a John Deere, que deve anunciar ainda neste ano novos investimentos neste ano.
Euler de França Belém – Representantes da multinacional chinesa China National Machinery Industry Corporation (Sinomach) estiveram em Goiás nesta terça-feira, 27, para se encontrar com representantes de empresas e do governo. Como ficou essa história?
Após seis meses de consultas e estudos jurídicos, a Secretaria de Economia e a Secretaria de Indústria e Comércio foram à Itumbiara com o governador Ronaldo Caiado (UB) para se reunir com representantes de empresas chinesas, com objetivo de buscar alguns acordos. Um deles, com a Sinomach, que já funciona em Aparecida de Goiânia, onde tem uma das duas distribuidoras de tratores da cidade – a outra é a Zilli.
Em Itumbiara, a Maquigeral assumiu a infraestrutura da montadora da Suzuki. A Maquigeral está fechando uma parceria para montar peças de máquinas e implementos agrícolas em parceria com a Sinomach.
A Sinomach é uma estatal do Ministério de Indústria da China e se transformou em uma das maiores empresas de implementos e máquinas agrícolas do mundo. Hoje, é uma indústria com filiais. Uma delas funciona como importadora de tratores e servidora de peças em Aparecida de Goiânia, e outra poderá funcionar em Itumbiara.
No Brasil, não compensa fabricar placas de energia solar, pois há uma lei federal que dá isenção para quem importa esses geradores. Então, o custo de se importar ainda é mais baixo. O que será produzido em Itumbiara são os relógios medidores de energia, de água, e farão também a distribuição das placas importadas.
Italo Wolff – O fornecimento de energia em Goiás foi um dos principais limitadores para a vinda de indústrias para o estado. Esse problema está sendo resolvido?
Sim. Houve uma grande melhora. A Secretaria de Indústria e Comércio é uma espécie de termômetro da qualidade dos serviços oferecidos porque, todos os dias, recebemos pedidos de audiência com empresários que querem se estabelecer em Goiás. Eles estão interessados nos benefícios fiscais, na infraestrutura, nos mecanismos de incentivo e também na capacidade de suprir a demanda energética que o Estado oferece.
Quando assumi a secretaria, em outubro de 2021, recebia de empresas que já estavam instaladas reclamações diárias com os serviços prestados pela Enel. Podemos dar alguns exemplos. Eu recebi uma ligação do diretor da Fiat no Brasil porque a concessionária Belcar, em frente ao Detran, que ganhou concessão para dobrar de tamanho, teve de operar com gerador a óleo diesel por meses. No dia em que a Equatorial assumiu a transmissão, o problema foi resolvido.
O mesmo aconteceu com a canadense Nutrien, uma das maiores empresas de nutrição animal do mundo. Estava investindo R$ 60 milhões na distribuição de seus produtos para todo o estado, o que envolvia a abertura de lojas. Em Goiânia, o projeto de abrir uma loja conceito ficou paralisado por um ano por falta de carga de energia, e seus contatos simplesmente não eram atendidos pela Enel.
Uma indústria de saponáceos em Trindade ficou parada desde agosto de 2022 até a saída da Enel, perdendo matéria prima e contratos de negócios, por falta de energia. José Alves, o diretor da empresa, nos relatou que a Enel nem mesmo atendia seus telefonemas. Hoje, o gargalo aumentou muito, pois o problema do atendimento na distribuição foi resolvido.
Mesmo que a Equatorial não consiga resolver tudo imediatamente, há previsibilidade. Essa foi a principal mudança em relação ao momento quando assumi a secretaria; hoje não temos mais aquela agonia de não saber responder às empresas.
Italo Wolff – E quanto à geração de energia?
Quanto à geração, há o investimento de R$ 5 bilhões em fontes renováveis – energia solar. Esse investimento seria perdido sem uma empresa confiável para distribuir a energia. A Equatorial já está inaugurando a subestação de Goianésia e a de Anápolis. Estamos fazendo um projeto no Vale do Araguaia para poder energizar as fazendas. Levar mais energia à região de São Miguel do Araguaia vai elevar muito a produção rural, que depende de maquinário, de pivôs de irrigação, de tecnologia.
Mas, na minha opinião, o mais importante foi a melhora no atendimento ao público. A política de colocar pessoas para resolver as reclamações dos clientes em locais estratégicos do estado deu muito resultado. Não apenas para os grandes empresários, mas principalmente para quem tem pequenos negócios e perdia sua produção. Quem tem vendas de alimentos não pode ficar sem refrigerador e não tem recursos para pagar o gerador à diesel.
Com essa questão pacificada, a Equatorial têm de fazer grandes investimentos, como no Vale do Araguaia, no Nordeste e Norte goiano. A Hochschild fez um grande investimento para levar energia à Mara Rosa, onde haverá extração de ouro. Quem será beneficiado? Todo o município.
Euler de França Belém – Se fala em hidrelétricas?
Não. O investimento é muito alto e estamos em um momento de valorização das energias mais limpas, com menos impactos ambientais. Para Goiás, que tem grande área e boa incidência solar, a energia solar é estratégica. Há fundos nacionais e internacionais para estimular a transição para essas fontes renováveis.
A empresa de energia portuguesa EDP investiu há um ano e meio R$ 300 milhões em fazendas solares – uma já está em funcionamento. É a chamada geração distribuída (GD), uma modalidade que permite a geração de energia elétrica no local ou próximo ao ponto de consumo. Essa energia vai aos leilões e atenderá o mercado. O Banco do Brasil, que foi parceiro da EDP neste investimento, hoje já deve ter diminuído em 25% a sua conta de energia.
Então, o investimento em energia renovável está sendo feito. Agora, precisamos melhorar a distribuição. Quando a energia é gerada nas placas solares, ela precisa entrar no sistema de distribuição para chegar às casas, comércios e indústrias. Para isso, são necessárias subestações, que a Equatorial está construindo agora.
Italo Wolff – Outro limitador histórico para o crescimento da indústria no Brasil é a oferta de mão de obra qualificada. O que tem sido feito para solucionar isso?
Quando o governador Ronaldo Caiado assumiu a gestão, havia os Colégios Tecnológicos do Estado de Goiás (Cotecs). O governador abriu um processo licitatório, que foi vencido pela UFG, para criar um programa de treinamento da mão de obra nas cidades onde há demanda de técnicos, sem a necessidade que os alunos venham aos Cotecs.
Agora, onde quer que esteja a indústria, há treinamento. Antes, tínhamos as escolas técnicas físicas – ainda existem 28 estruturas no estado – e os alunos tinham de ir até lá, mas esse sistema era ineficiente porque poucos alunos de fato faziam isso. Não faziam, porque tinham de arcar com os custos de sua especialização em outra cidade.
Hoje, em Mara Rosa, por exemplo, com o estabelecimento da Hochschild que irá explorar o ouro, se necessita de técnicos em mineração. Existem milhares de pessoas trabalhando lá, e a qualificação de profissionais é exigida ao governo. O estado atende conforme a demanda. Algumas áreas precisam de poucos profissionais, de forma que turmas com vinte alunos são formadas; em outras áreas, são centenas.
Em outro programa, gerido por Dona Gracinha Caiado (UB), as pessoas podem se cadastrar via CadÚnico para fazer cursos técnicos e conseguir até R$ 5 mil em equipamentos para empreender em sua área.
Italo Wolff – O Cinturão da Moda entra nesse esforço de formação de mão de obra?
Sim. É um projeto ambicioso iniciado há um ano e meio que pretende criar 100 mil vagas de emprego ao longo de quatro anos. O projeto iniciou-se iniciou com um piloto, envolvendo quatro prefeituras, e que foi muito bem aceito. Depois, nossa meta passou a ser de 30 e hoje temos 100 prefeituras cadastradas.
Funciona assim: procuramos municípios com cursos de formação em andamento e que tenham capacidade de absorver os profissionais. A SIC faz a prospecção dos alunos em seu centro de operações, na região da Rua 44. Recebemos as demandas dos cortes das roupas e fazemos contratos com as empresas que entregam o produto de acordo com as especificações para as confecções.
Não adianta fazer o caminho contrário. Não podemos chegar nas cidades com muitos desempregados e oferecer cursos, porque o que a Região da 44 exige é específico. Temos de alcançar a oferta de mão de obra já com as exigências do mercado em mãos. Há uma exigência estrita quanto à qualidade do produto. Esse modelo deu tão certo que, hoje, Goiânia atende todo o Norte e o Nordeste do Brasil. No Sul e Sudeste, competimos apenas com o Bras, em São Paulo.
Italo Wolff – O que foi feito para que a Região da 44 chegasse nesse ponto?
Na Avenida 85, já existiram confecções têxteis que morreram por falta de estacionamentos. Ainda hoje vemos grandes galerias com as fachadas valorizadas, mas os fundos subutilizados. O mesmo já aconteceu com a avenida Bernardo Sayão, onde se construiu uma enorme estrutura sem logística. O que há de diferente na 44? O acesso rodoviário fácil e as maiores garagens privadas do Brasil.
Em 2005, fui secretário Municipal do Desenvolvimento Econômico na gestão de Iris Rezende, a Feira Hippie já recebia confecções do interior naquele local, porque o acesso era privilegiado. Os comerciantes traziam a mercadoria à noite e utilizavam os quarenta hotéis do local como armazéns, porque, legalmente, o quarto de hotel é considerado uma residência que precisa de autorização judicial para ser vasculhada pela polícia.
Então, os pequenos empresários e feirantes traziam produtos para expor na feira da madrugada, mas deixavam o atacado dentro dos quartos dos hotéis. Isso já evidenciava a vocação da região, apesar de existir um olhar condenatório de alguns governadores da época, que colocavam a Secretaria da Fazenda para perseguir os comerciantes.
O que Iris Rezende e outros fizeram foi regularizar. Conseguimos transformar o local em lar de 5 mil bancas e 16 mil confecções em apenas oito quadras. Hoje, existem as categorias do Simples Nacional, do MicroEmpreendedor Individual (Mei), de forma que, por R$ 69 ao mês, se consegue registrar uma empresa. Isso fez com que o número de CNPJs explodisse e hoje tenhamos um dos maiores polos têxteis do país.
No que perdemos para São Paulo? No custo, porque eles ainda importam de países asiáticos, como China e Coréia. Temos melhor qualidade, mas podemos também reduzir nossos custos. Para isso, precisamos ganhar escala, divulgando nosso produto. Grande parte do Sul e Sudeste não sabem que Goiás tem um centro com 16 mil confecções em oito quadras.
Por outro lado, podemos reduzir custos melhorando a fibra óptica, por exemplo, o que já começamos a implementar. O senador Wilder Morais (PL) conseguiu aplicar R$ 10 milhões em emendas parlamentares no projeto de conectividade e no projeto de ampliação das entradas de Goiânia. Muitas pessoas que passam pelas rodovias que atravessam Goiânia desconhecem o polo da moda. Podemos aproveitar melhor os turistas nos portais de entrada da cidade.
Entrevista concedida ao Jornal Opção